terça-feira, 16 de novembro de 2010

Na senda do Discípulo

A senda do discípulo, como vem sendo referido ao longo dos tempos em toda a tradição esotérica que vem desde Blavatsky, sempre foi um trilho estreito. Um trilho de muitas provações em que esse mesmo discípulo era testado na sua fé, entrega e aspiração, até se encontrar com o Mestre e a este se integrar. A estadia no deserto não é apenas uma metáfora bíblica, onde Jesus foi tentado nos seus próprios desejos até se limpar de todos eles e assumir a tarefa que lhe correspondia, mas uma realidade interna em todos nós. Estar nesse deserto é estar na solidão de uma dor ancestral que transportamos de muitas encarnações e que precisa ser curada. Mas este é um processo solitário, por mais que sejamos acompanhados de outros planos.

Não é certamente fácil para o discípulo, aquele que aspira a ser um servidor do plano evolutivo, confrontar-se com os relatos de abundantes e luxuriantes oásis de Paz, quando à sua volta apenas as areias quentes do deserto, a secura da paisagem e o desconforto de uma caminhada sem aparente rumo se apresenta. É certamente mais fácil pegar nesses relatos e enterrá-los na areia, pelo insulto que estes lhe parecem lançar.

Mas essa é a nossa prova. Saber acreditar que pela persistência dos nossos passos, por mais que estes se enterrem nessas areias quentes, os tais oásis se apresentarão diante de nós, é a chave para que possamos transformar toda essa carga ancestral que transportamos.

Que olhemos para nós próprios com compaixão e percebamos o quanto já foi transformado. Será que somos hoje os mesmos de há um, dois, cinco anos atrás? Apesar de todas as dificuldades, e devido a essas mesmas dificuldades, quantas não foram as transformações? Existe hoje uma maturidade que não tínhamos, e uma consciência da realidade bem mais ampla, apesar de tudo.

Quando entrámos nesse deserto íamos cheios de expectativas. Diziam-nos que do outro lado encontraríamos a PAZ. E então, na empolgação que isso nos trouxe, lá carregámos a mochila e preparámos as inúmeras refeições para a travessia, as várias vasilhas de água, e mais aquele livro, e mais uma bússola para não nos perdermos, e mais isto e aquilo. Fomos para lá carregados com toda a tralha civilizacional.

É claro que à medida que caminhávamos tudo isso foi pesando. Líamos o livro que falava de PAZ, mas os nossos pés pelavam com o calor da areia, sangrando. E isso ia-nos deixando confusos com tudo aquilo. Seria uma ilusão? Teríamos sido enganados por aqueles que diziam que do outro lado do deserto estava a PAZ?

Pelo trajecto fomo-nos esquecendo de todas essas coisas. Não era mais importante a busca do oásis mas procurar algum conforto nessa caminhada, vivendo aquele momento específico e não o que o horizonte nos reservava. E então numa dessas noites frias, pegamos no livro que falava de Paz e rasgamos as suas páginas para acender uma fogueira que nos aquecesse, e nunca aquele livro tinha servido tão bem. Foi certamente uma das melhores noites no deserto pelo conforto das chamas. E assim fomo-nos despindo dessa tralha. A mochila foi-se esvaziando até que nos esquecemos da caminhada em si e nos concentrámos apenas no passo seguinte a ser dado. Ficar preso na ideia desse oásis de Paz que fica lá longe é certamente um dos maiores obstáculos para que essa Paz se faça presente.

Só depois do nosso ego estar completamente despido nesse deserto é que o oásis despontará, não no horizonte - pois os oásis que aparecem nos horizontes podem muito bem ser belas miragens -, mas no centro do nosso coração.

Ali, no meio desse deserto, completamente nus, sem bagagem, sem comida, sem água, sem livros e bússolas, o oásis de Paz desponta de dentro, e dentro começa a transformar esse mesmo deserto. À nossa volta, onde até então apenas existia areia, começa a nascer vegetação, um regato de água cristalina brota do chão e rasga a paisagem; por todo o lado os lírios despertam de um longo sono. Tudo se transforma nessa PAZ em tempos procurada e depois esquecida e negada.

Nada foi encontrado.

A PAZ não se busca; é ela que nos encontra quando estivermos receptivos e prontos para a receber. Por isso não há técnicas para serem ensinadas, mas apenas a certeza profunda, inequívoca, que no fundo do nosso coração reside essa semente que aguarda o momento certo para despontar. E como toda a semente, também esta necessita que o terreno seja limpo e preparado para essa abundante colheita que nos consagrará como seres Divinos que somos.

A chave está na fé, que é essa certeza absoluta que tudo está no seu ponto de realidade exacto, e que no momento certo tudo se consumará de acordo com uma Vontade Maior.

Na entrega, o que significa colocar tudo nas mãos dessa vontade e aceitar as provações e as dificuldades com Alegria, pois é o terreno que está a ser preparado para o despontar dessa semente.

Na aspiração, que ao contrário do desejo onde se busca algo para nós, busca a doação incondicional ao Divino. Eu aspiro a uma condição, porque me dou integralmente a essa condição e não porque a desejo para mim.

E quando esse deserto se transformar num oásis, porque do nosso coração jorrou a VIDA e a PAZ, o discípulo deixará de o ser e com a sua radiação atrairá muitos outros nessa mesma caminha para uma cura profunda e libertadora. Ele é agora o outro lado do deserto para aqueles que iniciam a sua caminhada, não para que seja encontrado por estes, mas para que a estes, de forma silenciosa, impessoal e compassiva, possa doar a Paz que em si despertou para que em cada um a sua própria Paz se manifeste.
 
Não existem, por isso mesmo, técnicas ou fórmulas que se possam ensinar, mas apenas a Vontade de que assim seja, porque assim É.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O Silêncio

O silêncio é a nota profunda e imaculada do nosso estado original. É a Voz da eternidade debruçada sobre o tempo; um doce murmúrio que Deus sussurra em nosso ouvido. É uma suave fragrância da Alma que preenche o vazio onde tudo se manifesta. Um aroma sagrado que abre nos nossos corações o espaço necessário para que possamos ouvir a Voz da Eternidade... aquela que nos fala do Verdadeiro Ser que somos e da Morada que nunca deixámos.

Cultivar o silêncio é procurar em nós o rosto de Deus, essa expressão de Fogo que somos nós verdadeiramente. Ali, todas as forças que controlam os planos tridimensionais são suspensas, despertando um estado de quietude profunda onde nada de irreal pode penetrar. Nesse Templo Vivo de Luz Pura em que nos transformamos, nada mais permanecerá que a realidade dos planos supra-civilizacionais. O silêncio é a antecâmara do contacto com o Divino em nós, com a verdade para além de todas as ilusões.

Estar em silêncio, no entanto, é muito mais que a ausência de palavras: é um estado de consciência que se manifesta em cada gesto, em cada atitude e em cada momento da nossa existência temporal. Que possamos compreender, pois, que a palavra, ou a ausência desta, nada tem a ver com o silêncio. Nós podemos falar e ao mesmo tempo estar em silêncio, e isso acontecerá sempre que as palavras não rasgarem o éter circundante, mas se, pelo contrário, ondularem com esse éter na harmonia resultante da sonoridade límpida, reflexo de um estado de Paz Profunda, com que são emitidas. Falar em silêncio é, sem dúvida, uma das maiores dádivas que poderemos ofertar ao planeta tal o ruído produzido por esta civilização.

Contudo, esse silêncio não é para ser manifestado, apenas, na esfericidade das palavras, mas também na doçura dos nossos gestos, na qualidade dos nossos pensamentos, na consciência de serviço das nossas acções, revestindo tudo com a PAZ resultante da entrega incondicional à Vida.

Estar em silêncio é, por isso mesmo, estar em sintonia profunda com os núcleos internos do nosso Ser. É emitir para o exterior uma nota esférica e cristalina, onde nenhuma aresta se encontra presente. Um Ser em silêncio é um Templo Vivo; uma expressão do rosto de Deus dentro da matéria em ascensão.

Cultivar o silêncio é, desse modo, o primeiro passo para a revelação, na substância tridimensional, do Fogo Cósmico do Espírito. Ele é, em definitivo, a Voz da Eterna Presença.